Artigo publicado no Estado de S.Paulo
Por Roberto Macedo e Wilson Victorio Rodrigues
Estudo do Fórum Econômico Mundial (FEM) intitulado The Core Skills for 2030 (As Competências Essenciais para 2030) elege o uso da inteligência artificial (IA) e do big data como as competências mais importantes no mercado de trabalho de 2030, que já está próximo. Também são citadas como essenciais, mas menos importantes, alfabetização tecnológica, resiliência, flexibilidade, agilidade, criatividade, liderança, influência social, pensamento analítico e aprendizagem ao longo da vida. Focaremos nas mais importantes.
A IA tornou-se muito popular ao longo dos últimos três anos graças ao lançamento de ferramentas como ChatGPT, Zendesk, Gemini, entre outras. Algumas são gratuitas. A evolução delas está acontecendo a um ritmo acelerado, sendo capazes de formular análises e respostas que desafiam até mesmo os seres humanos mais inteligentes: constroem imagens, examinam planos financeiros, desenvolvem apresentações de projetos, compõem músicas, resolvem testes, etc. Isso tudo é possível graças ao oceano de dados disponível no ambiente virtual, o big data, a ser processado por comandos humanos por meio de ferramentas de IA. Tais comandos constituem as habilidades destacadas pelo FEM e que, por razões óbvias, merecem absoluta atenção dos sistemas educacionais ao redor do mundo, cabendo debater o atual papel do professor e a eficácia das formas mais tradicionais de ensino-aprendizagem. Está evidente que o modelo tecnicista de educação, baseado na “decoreba”, está fadado ao ostracismo, pois exige que o aluno seja reflexo da enciclopédia, sem que haja o desenvolvimento do pensamento criativo, de competências tecnológicas e das habilidades socioemocionais apontadas como cruciais pelo FEM.
Diante dessa transformação, o Brasil, que costuma falhar em assuntos educacionais, não pode ficar marginalizado. A China adotou IA no currículo nacional desde o ensino fundamental; a Coreia do Sul como disciplina obrigatória no ensino médio técnico; Finlândia e Cingapura como curso gratuito para toda a população, incluindo escolas; Reino Unido incluiu como disciplina na formação docente. Por sorte, temos no Conselho Nacional de Educação um educador visionário, o professor Celso Niskier, que lidera no órgão um debate em torno do assunto e já relata uma deliberação, pendente de votação, para inclusão da IA na formação de professores, por meio dos cursos de pedagogia e licenciaturas. Iniciativa mais que oportuna!
O Estado de São Paulo já adota a IA para correção de provas, o que permite aos professores maior tempo para planejar aulas e analisar o engajamento e o rendimento de seus alunos. Aliás, aqui vale uma consideração elogiosa: a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo tem dado passos importantes na criação de uma cultura digital em sua rede. Adotou plataformas digitais que permitem o ensino de português e matemática de um jeito moderno e divertido, melhorando a aprendizagem. O resultado da Avaliação Fluência Leitora aplicada pela secretaria mostra que o número de estudantes do 2.º ano do ensino fundamental que sabem ler adequadamente na rede pública paulista avançou em 57% entre as edições do primeiro e segundo semestre de 2024. Além disso, registraram-se avanços em português e matemática em todos os anos e séries avaliados na edição de 2024 do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp). O destaque é o desempenho do 2.º ano do ensino fundamental entre alunos da rede, com aumento de 45,3% em matemática na comparação com a prova de 2023. Aí vê-se claramente a importância de uma mudança sensível nos sistemas educacionais para lidar com jovens que são nativos digitais. O processo de ensino-aprendizagem deve estar intimamente ligado ao uso das tecnologias. Do contrário, cria-se um abismo entre professor e aluno, sem que haja o desenvolvimento das habilidades apontadas pelo FEM.
Também se faz imperativa a avaliação de professores, que já foi adotada pela rede paulista, com o uso de ferramentas digitais capazes de aferir o rendimento escolar dos alunos, o acesso e o tempo de permanência nas plataformas, entrega de atividades, notas etc. Tudo isso compõe a cultura digital necessária aos sistemas educacionais, que permite aos seus dirigentes manusear dados em tempo real, analisando indicadores de desempenho para tomada de decisões e formulações estratégicas. Mas precisamos ver essa cultura digital expandida para toda a educação brasileira.
Roberto Campos, referindo-se aos avanços da informática que marcaram o final do século passado, asseverou que “o mundo mudou e não esperou o Brasil para mudar”. Que a educação brasileira não fique atrasada diante de tão significativas transformações, tal como é a revolução causada pela IA e que nossos jovens sejam devidamente preparados para um mundo tão desafiador.
Roberto Macedo e Wilson Victorio Rodrigues são diretores da Faculdade do Comércio (FAC)
Fonte: https://www.estadao.com.br/opiniao/roberto-macedo/ia-e-cultura-digital-na-educacao/